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Antes que o PT esboçasse o roteiro das caravanas que Lula planeja realizar este ano o dispositivo midiático iniciou a sua.
Reportagens publicadas nos últimos dias pelo ‘Estadão’ e ‘O Globo’ revisitaram marcos do governo petista.
Alguns títulos pinçados desse primeiro arranque :
‘Dez anos depois, população pobre do Brasil permanece refém de programas de renda’;
‘Berço’ do Fome Zero não muda com programas sociais’;
‘Em Guaribas, 87% da população vive do Bolsa Família’;
‘PT tira milhões da pobreza, mas abandona responsabilidade fiscal’
Vai por aí a coisa.
As referências de partida às cidades pobres de Guaribas (PI) e Itinga (MG), recheiam o propósito de alvejar por antecipação os símbolos previsíveis de um roteiro petista.
Ambas estão associadas ao Fome Zero, o primeiro programa lançado por Lula no primeiro ato, do primeiro dia, do seu primeiro governo, em 3 de janeiro de 2003.
Emerge dos textos a ordem unida que deve afinar a desconstrução desse ciclo incômodo.
Na superfície, benevolência: milhões deixaram a pobreza, mas…
Na costura, a lógica desidrata a dinâmica social negando a emergência de qualquer sujeito histórico capaz de afrontar o veredito do fracasso irremediável.
‘O modelo é insustentável’ , arremata em pedra e cal o sociólogo tucano Bolívar Lamounier, na última linha do texto do O Globo.
Foi nisso que deu a luta contra a miséria.
Para todos os efeitos, o Brasil é reduzido a uma fila de seres vegetativos alimentados pela sonda infatigável do populismo.
O fato de a demanda colecionar 16 trimestres seguidos de expansão, num momento em que o planeta estrebucha em anemia, é um acidente de percurso.
A caravana conservadora tira isso de letra. Literalmente
É só ouvir ‘especialistas ‘ especializados em alvejar o PT.
No atacado ou no varejo? O cliente é quem manda.
A varredura atinge por extensão o 13 de fevereiro próximo, quando o partido comemora 33 anos de fundação, ademais de acumular munição para 2014 e cumprir a missão imediata: colocar uma pedra no meio do caminho da mobilização de resistência acenada pelos dirigentes .
Não qualquer pedra.
Mas aquela capaz de suscitar a dúvida: de que adianta Lula afrontar a pauta da criminalização e da desqualificação se a narrativa da nova caravana da cidadania caberá ao monopólio midiático?
Nos anos 90, as redações foram pegas de surpresa pela iniciativa original. Num primeiro momento, cederam à repercussão diante do efeito contagiante por onde comitiva petista passava.
Organizadas entre 1993 e 1996, as Caravanas da Cidadania percorreriam mais de 40 mil quilômetros. Ao todo, foram seis expedições que vasculharam os quatro cantos do território nacional.
A primeira, de 24 dias, partiu de Garanhuns, interior pernambucano; finalizou em Vicente de Carvalho (SP).
Reeditou o percurso de um pau de arara que em 1951 levaria Lula, a mãe e irmãos até São Paulo e daí para o litoral, fugindo da seca, da fome e da pobreza.
A imagem de um novo ‘cavaleiro da esperança’ a escancarar a realidade do país como o seu melhor argumento, rapidamente acendeu o farol vermelho nas redações.
A tolerância inicial cedeu lugar então às cobranças. Duras. Repórteres escalados para cobrir as viagens eram intimados a entregar a encomenda.
Às favas com fatos, pessoas e paisagens.
O jornalista Ricardo Kotscho acompanhou de perto aquela aventura como assessor de imprensa de Lula.
Em depoimento à Fundação Perseu Abramo, em 2006, revela detalhes da operação desmonte acionada pelas chefias de redação para sufocar o comício ambulante do líder metalúrgico.
Telefonemas irados chegavam do Rio e de São Paulo cobrando recheio para manchetes prontas.
Lembra Kotscho:
“Vocês têm que dar pau, é demagogia, é populismo do Lula, não sei o quê”-, o mais jovem repórter que estava lá foi cobrado também. Aí ele falou no telefone na frente de todo mundo, porque só tinha um telefone na portaria do hotel, era uma promiscuidade telefônica, todo mundo sabia de tudo. Ele disse para o chefe dele o seguinte: “Olha, eu vou continuar mandando as matérias com aquilo que eu vejo, eu não vou mentir, eu não vou entrar nessa, se vocês quiserem, vocês me demitam (…)” O Mário Rosa (da Veja) me disse, com todas as letras: “Eu escrevo para 3 mil leitores da Veja”. “Como 3 mil? São 700 mil”, eu perguntei. “O resto não interessa”, ele falou. “Escrevo para o top, o top da elite. Vim aqui fazer uma análise psicológica do Lula.” Depois que saiu a matéria sobre a caravana na Veja, o Lula ligou para o Roberto Civita, apontou as mentiras que a revista tinha publicado e pediu informalmente um espaço para resposta. O Civita negou, dizendo que isso não era um hábito da publicação…”
Dezesseis anos e três governos petistas depois, chega a ser desconcertante que o gargalo da comunicação permaneça intacto –no partido e no país (leia a análise irretocável de Venício Lima nesta pág. ; leia também o texto do blog dp Emir sobre o mesmo assunto).
A caravana preventiva do dispositivo conservador mostra o quanto a batalha da comunicação continua atual, decisiva e mal resolvida pelo PT.
Não por acaso, os adversários creditam à mídia a tarefa de desqualificar a maior conquista progressista deste ciclo, sem o quê tudo o mais fica um tanto difícil: a redução superlativa da fome, da miséria e da pobreza.
É um osso duro de roer.
Os avanços acumulados desde 2003 são inegáveis. Em certa medida, épicos.
A desigualdade brasileira ainda grita alto em qualquer competição mundial.
Mas, exceto no caso da China, foi a que registrou o maior queda em plena crise do capitalismo, quando dois terços das nações viram crescer a distancia entre ricos e pobres.
No Brasil deu-se o inverso.
A linha da exclusão que antes figurava como o eletrocardiograma de um morto passou a se mexer.
Inquieta, alterou o metabolismo de toda a nação.
Chega a ser paradoxal. A narrativa conservadora desconsidera a dinâmica vigorosa embutida nesse degelo social.
Mas incendeia as manchetes com o esgotamento (real) da infra-estrutura, a saturação dos aeroportos, a pressão da demanda sobre a oferta elétrica.
Ou isso, ou aquilo. Ou se reconhece os novos aceleradores do desenvolvimento ou o alarde dos gargalos é descabido.
Ambos são reais.
A década do PT tirou da miséria e propiciou a ascensão na pirâmide de renda a uma população equivalente a da Argentina.
Dados do IPEA ignorados pelo jornalismo conservador fornecem detalhes preciosos de um país em mutação inconclusa, mas dificilmente reversível a frio.É em torno do passo seguinte desse processo que se trava a guerra politica atual.
Fatos:
a) de 2003 a 2011, a economia brasileira cresceu a uma taxa acumulada de 40,7%; o PIB per capita aumentou 27,7%; mas a renda nos domicílios cresceu mais de 40%. A diferença evidencia o peso das transferências sociais -Bolsa Família, aposentadorias e benefício de prestação continuada, como a aposentadoria rural;
b) a renda per capita dos 10% mais pobres avançou 91,2% em termos reais nesse período –e 16,6% entre os 10% mais ricos;
c) a dos 10% mais pobres cresceu 550% mais rápido que a dos 10% mais ricos.
d) os 20% mais ricos tiveram um aumento de renda inferior ao de seus pares dos BRICS.
e) mas o crescimento da renda dos 20% mais pobres superou o dos BRICs, exceto China.
f) a renda do Nordeste cresceu 72,8% entre 2003 e 2011 — variou 45,8% no Sudeste.
g ) similarmente, cresceu mais nas áreas rurais pobres, 85,5%, contra 40,5% nas metrópoles e 57,5% nas demais cidades.
g) a dos pretos e pardos teve um salto de 66,3% e 85,5%, respectivamente — ficou em 47,6% no caso dos brancos.
h) a renda das crianças de 0 a 4 anos avançou mais de 60%.
i) sem as políticas redistributivas do Estado, a desigualdade teria caído 36% menos que os 57% efetivamente registrados.
j) a renda média precisaria ter aumentado quase 89%, em vez dos 32%, para que a pobreza tivesse a mesma evolução, sem a intervenção direta do Estado.
Ao contrário do que assevera o balanço da mídia isenta, portanto, o modelo não é insustentável.
Ele é avassalador por conta das massas de forças que despertou, sacudiu, agregou e conflitou.
Seu principal impulso, ao contrário do que pontifica a tese do assistencialismo insustentável, decorre predominantemente da renda do trabalho.
Ela representa mais de três quartos da renda total que lubrifica a economia — e é preciso impedir que o seu efeito multiplicador vaze para fora, nutrindo-se de importações que geram empregos e investimentos de qualidade lá e não aqui.
A constatação não altera a essência política do jogo em andamento: o Brasil foi o país que melhor utilizou o crescimento econômico dos últimos anos para elevar o padrão de vida e o bem-estar da população. Isso, graças às políticas públicas deliberadamente voltadas ao mais pobres, entre elas a decisão de elevar o poder de compra do salário mímimo em 60% em termos reais.
Não é propaganda eleitoral do PT.
É o que afirma um levantamento feito pela consultoria Boston Consulting Group (BCG), que comparou indicadores econômicos e sociais de 150 países, nos últimos cinco anos.
Sua conclusão :
“Se o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu a um ritmo médio anual de 5,1% entre 2006 e 2011, os ganhos sociais obtidos no período são equivalentes aos de um país que tivesse registrado expansão anual de 13%. O desempenho brasileiro deve ser creditado principalmente à distribuição de renda. O Brasil diminuiu consideravelmente as diferenças de rendimento entre ricos e pobres na década passada, o que permitiu reduzir a pobreza extrema pela metade.”
Não é algo que se despreze,como teimam as manchetes conservadoras. Mas há uma pedra no meio do caminho.
Ela infantiliza o debate dos desafios reais –que não são pequenos– inscritos nas escolhas que devem orientar o passo seguinte da história do desenvolvimento brasileiro.
Emergências e alarmes soam para avisar que um tempo se esgotou; outro range, ruge e pede para nascer.
A inexistência de uma estrutura de comunicação progressista, capaz de substituir o monólogo conservador por uma discussão plural das escolhas intrínsecas a esse parto, ameaça abortar o novo.
Se algo se tornou insustentável foi isso.
Fortuitamente, o PT está prestes a renovar um cargo cujo ocupante pode –deve– ter uma participação significativa na tarefa de afastar essa pedra do caminho.
Ao novo secretário de comunicação do PT caberá em alguma medida a tarefa de criar condições que pavimentem vias e abram clareiras por onde devem circular a caravana de Lula e os projetos que ela catalisa.
Um dos nomes cogitados para essa tarefa é o do deputado Emiliano José (PT-BA).
Doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), professor aposentado da Faculdade de Comunicação, onde lecionou por 25 anos, Emiliano é jornalista de carreira e escritor com nove livros publicados.
Paulista de nascimento, mas baiano de coração,lutou contra a ditadura militar em São Paulo, como vice-presidente da União Brasileira dos Estudantes (UBES). Perseguido, viveu clandestino na Bahia até ser preso, torturado e condenado a quatro anos de prisão.
Sua a carreira jornalística começou na Tribuna da Bahia; depois, passou pelo Jornal da Bahia, O Estado de S. Paulo, O Globo e pelas revistas Afinal e Visão. Escreveu para os alternativos Opinião, Movimento e Em Tempo. Tem peso e medida para sacudir a omissão histórica do PT numa questão que ameaça agora devorá-lo.